
Primeiro: Deus e sua criação –
De acordo com Stott, é
importante conhecer a base sobre a qual repousa a missão cristã; É importante
conhecer porque Deus é o criador. Porque pela primeira vez nas Escrituras vemos
que o Deus Criador é também um Deus que fala. Ele fala com a sua própria
criação, comunicando a ela uma ordem de restauração ou de recriação:
"Disse Deus: Haja luz; e houve luz" Gn 1.3.
Este é o primeiro ato
missionário de Deus. Ele liberta a sua criação das trevas. Ele estabelece
também um paradigma bíblico: Deus é quem toma a iniciativa de vir em socorro da
sua criação. A terra recriada serve agora para os propósitos de Deus.
Segundo: A) Deus
e a queda do homem
Com o advento da queda Foi Deus quem tomou a iniciativa missionária quando
se auto-enviou ao jardim do Éden e anunciou as boas novas ao primeiro casal
humano (Gn 3.15, proto-evangelho),
B) Deus e as famílias da Terra
Mais uma vez encontramos
a criação em trevas. Faltava entendimento da ordem de Deus e faltava
principalmente o desejo de servir o Criador. Gn 6:5,8 - A criatura, seguindo o
padrão da queda, quer ser como Deus, Gn 11.4. Desobediência leva ao julgamento,
11.8-9.
Com as famílias
dispersas, estabelece-se um novo caos. Deus chama a família de Abrão para
abençoar as famílias sem Deus. Abrão torna-se o referencial da bênção e da
maldição sobre os povos, Gn 12.1:4.
Implicações para a missão transcultural
Deus está no controle da
sua criação. Ele não a abandona e nem lhe dá rédeas livres para viver conforme
sua própria imaginação. A luz de Deus expulsa a treva.
Deus toma a iniciativa
de libertar a sua criação. A missão é desenvolvida a partir do entendimento de
que o cosmos está subordinado ao Deus Criador.
Em Abrão e no seu
descendente está o referencial de salvação para a humanidade.
Terceiro: Deus enviando Jesus
Depois enviou o Filho
missionário (Jo 3.16) e por fim, Deus Pai e Deus Filho enviaram o Espírito
missionário (At 1.8). Ainda hoje, Deus é o sustentador da obra missionária.
Deus ama missões. Missões existem para a glória de Deus. A igreja existe para
proclamar a glória de Cristo. Alguém disse que se Deus Pai é missionário, se
Deus Filho é missionário e se Deus Espírito é missionário, não temos escolha,
ou somos missionários ou somos impostores.
Quarto: Deus e a bíblia
Deus também nos deixou
um livro missionário para nos orientar no trabalho da seara: a Bíblia. A Bíblia
é a Palavra de Deus inspirada, inerrante, suficiente e autoritativa. Nela há um
clamor missionário do primeiro livro (Gênesis) ao último (Apocalipse). Há um
teor evangelístico nas Sagradas Escrituras, de modo que todo cristão é chamado
a proclamar as boas novas de salvação única e exclusiva em Jesus Cristo. As
Escrituras mostram muitos homens que Deus levantou na história com o único
propósito de proclamar o Evangelho. Assim, não temos alternativa, ou
evidenciamos a fé cristã através da obra missionária ou a negamos.
Quinto: Deus e a Igreja
A igreja foi chamada
para exultar o Senhor da glória. Existimos para adorar a Deus com todo o nosso
ser, alma, força e entendimento. Devemos obedecer ao mandamento de Cristo: Ir e
fazer discípulos, para Ele, de todas as nações, povos e línguas, ensinando-os a
guardar tudo o que Ele ensinou e batizando-os em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo (Mt 28.19-20).
Missões no NT
Lucas relata que Jesus,
depois de ressuscitar, reuniu seus discípulos e falou-lhes duas coisas. A
primeira foi que o Antigo Testamento ensinava claramente que o Messias tinha de
morrer e ressuscitar. Em seguida, acrescentou que o evangelho seria pregado a
todas as nações.
O ensino que Jesus
transmitiu aos discípulos após a ressurreição deve ter sido uma novidade para
eles, mas estava claramente expresso no texto sagrado. Veja como Jesus falou:
“Está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no
terceiro dia e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de
pecados a todas as nações, começando de Jerusalém” (Lc 24.46, 47).
A ordem de fazer missões
é muito clara no Novo Testamento, porém Jesus buscou no Antigo Testamento a
base para essa declaração. Se lermos a Bíblia toda sem observar sua ênfase
sobre missões, provavelmente a estamos lendo superficialmente, sem notar a centralidade do plano de Deus
para as nações.
Leiamos alguns
textos para comprovar que a tarefa de
levar o evangelho a todas as criaturas, nações, línguas e povos não era uma
novidade do primeiro século. Ela começou no coração de Deus e foi anunciada
inicialmente no Antigo Testamento.
A finalidade da criação
O Antigo Testamento
começa com a criação de tudo que existe. No centro de seu plano, Deus criou o
homem – e todos nós – à sua imagem, por várias razões. O próprio Universo não
existiu eternamente. Deus o criou com um propósito. O Universo teve início num
momento da História – “no princípio” – e terminará no fim da História, após a
segunda vinda de Cristo. Por que Deus decidiu fazer tudo que fez? Os cientistas
ateus pesquisam a criação. Descobrem os segredos da natureza e como funcionam
os processos e leis naturais, mas lamentam não saber a razão por que existe
qualquer coisa, porém nós, cristãos, sabemos os motivos de o Universo e o homem
existirem. Citaremos apenas cinco deles.
Primeiro motivo da criação
O
desejo de Deus de ter pessoas com quem pudesse desfrutar comunhão. Deus é
social. Ele ama pessoas como nós – gente. Gente que conversa com ele. Ele
queria alguém com quem pudesse conversar e de quem recebesse adoração. Por isso,
criou-nos à sua imagem, para ter um relacionamento amoroso conosco. Isso se
encaixa estreitamente na tarefa missionária. O propósito das missões tem seu
fundamento nesse desejo de Deus. Cada pessoa que se converte hoje terá comunhão
com ele eternamente. Gn. 2:4,25
Segundo motivo da criação
Deus é um Deus feliz. Deduzimos isso de uma frase de 1 Timóteo 1.11 e 6:15, “o
evangelho da glória do Deus bendito”. A palavra “bendito” (makârios, no grego)
quer dizer “feliz” (compare com as bem-aventuranças). Três vezes nos é dito que
o nosso Deus é “bendito eternamente” (Romanos 1.25; 9.5; 2 Coríntios 11.31). Ele
queria compartilhar sua felicidade com o ser humano. As pessoas mais felizes da
terra devem ser os missionários. Com certeza, divulgar as boas novas, obedecer
à última ordem de Cristo, levar pessoas a conhecê-lo e, por conseguinte, poder
entrar no gozo do Senhor é um trabalho glorioso e tem relação direta com o
motivo de Deus ter criado a humanidade. Quão felizes, para Deus, foram aqueles dias em que Ele estava
criando universo (Provérbios 8.30-31)! - Não é de se admirar que Paulo chame sua mensagem de “o evangelho da
glória do Deus bendito”, ou seja, alegre! (1 Timóteo 1.11 e 6:15)
Terceiro motivo da criação
Deus nos criou para mostrar seu amor. Ele já amava o Filho, e o Filho
amava o Pai, mas queriam um povo para demonstrar seu amor. Ele multiplicou a
população da terra para revelar seu infinito amor. Ele derramou seu amor em
nosso coração para que possamos também amar aqueles que Deus ama. Se você não
é missionário, no sentido mais lato da
palavra, talvez o amor de Deus tenha sido sufocado em sua vida. Não entrou na
sua veia nem nas suas artérias, por isso não circula em seu coração o desejo de
alcançar os perdidos. Deus criou homens e mulheres para compartilhar sua
felicidade e demonstrar seu amor. Devemos responder e corresponder ao seu amor
com grata obediência. Jeremias
31:3-Os 11:8-9
Quarto motivo da criação
Deus criou o mundo para ser glorificado por meio dele. Ele criou o ser humano à sua imagem
para que este pudesse glorificá-lo por causa de sua graça. Ef 1.6 é uma
passagem fundamental das Escrituras porque explica o motivo pelo qual Deus nos
criou. Considere seriamente que, tanto a eleição antes da fundação do mundo
quanto a predestinação para sermos filhos adotivos, aconteceu, segundo esse
texto, “para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente
no Amado”. Não é possível negar, à luz dessa passagem, que o propósito original
no plano da criação foi que pessoas inteligentes e dotadas de emoção louvassem
a graça gloriosa de Deus. Esse é o principal motivo das missões. Paulo escreveu
aos coríntios: “Todas as coisas [os sofrimentos] existem por amor de vós, para
que a graça, multiplicando-se, torne abundantes as ações de graças por meio de
muitos, para glória de Deus” (2Co 4.15).
Quinto motivo da criação

O coração missionário de Deus revelado no Antigo Testamento
Examinemos alguns
textos-chave da Bíblia para buscar as bases para missões e o propósito divino
para a humanidade.
Gn 12.1-3
Esta passagem central no
Antigo Testamento apresenta a chamada de Abraão, nosso pai na fé e tem
importantes implicações para a obra missionária:
Disse o Senhor a Abrão:
Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que
te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei
o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que
te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra.
Nesta passagem, que
Jesus deve ter mencionado aos seus discípulos, temos uma dupla ordem: “Sai da
tua terra” e “Sê tu uma bênção”. Abraão deveria sair para ser uma bênção e ser
abençoado. Nele o mundo inteiro – todos os lugares, tribos, povos e nações –
seriam abençoados. Cremos na Palavra de Deus e que essa promessa, ainda não
concretizada inteiramente, irá se cumprir.
Existe algo mais
interessante nesse texto. Qualquer contador, ou pessoa que trabalha com
números, sabe que a soma de todas aquelas fileiras de cifras depende dos
números que estão em cima. Ele sabe que se houver um erro em alguma dessas
cifras, haverá um resultado errado na última linha. Esse princípio da
matemática pode ilustrar e explicar por que o compromisso das igrejas com as
missões é tão fraco.
O Brasil evangélico, até
agora, enviou um número quase inexpressivo de missionários. Há menos de um
missionário para cada 10 mil crentes. Estou convencido de que essa desproporção
tem uma explicação razoável. Vejamos como se aplica à tarefa missionária. Como
já vimos, se escrevemos números errados nas linhas de cima, a soma estará errada.
A passagem de Gênesis
contém a promessa de que Deus há de abençoar a Abraão. Todos querem as bênçãos
de Deus. Corresponde à linha de cima o “abençoarei”, mas se entendemos mal a
linha de cima, a linha de baixo – “Sê tu uma bênção” para todas as nações (famílias)
da terra – sairá errada. A bênção da promessa está diretamente ligada à
obediência à ordem de ser uma bênção. Não dá certo buscar a bênção sem querer
ser uma bênção. Todas as nações receberão as bênçãos prometidas a Abraão. A
Palavra de Deus não pode falhar, mas primeiro é essencial que Abraão e seus
descendentes pela fé sejam uma bênção. É inútil reivindicar bênçãos se não
estamos abençoando os perdidos com a oferta do evangelho.
Receber benefícios da
parte de Deus corresponde à linha de cima. Transmitir esses benefícios para os
que não têm acesso à bênção abraâmica está diretamente vinculado às bênçãos
recebidas. A bênção da salvação, a linha de cima, implica a responsabilidade de
ser uma bênção, de compartilhar essa salvação com os que não têm acesso ao
evangelho.
Gn 50.15-21
A história de José, em
Gênesis 50, revela o mesmo princípio. Seus irmãos estavam preocupados com o
fato de que José, agora exaltado com plenos poderes no Egito, retribuísse o mal
que sofreu.
Vendo os irmãos de José
que seu pai já era morto, disseram: É o caso de José nos perseguir e nos
retribuir certamente o mal todo que lhe fizemos. Portanto, mandaram dizer a
José: Teu pai ordenou, antes da sua morte, dizendo: Assim direis a José:
Perdoa, pois, a transgressão de teus irmãos e o seu pecado, porque te fizeram
mal; agora, pois, te rogamos que perdoes a transgressão dos servos do Deus de
teu pai. José chorou enquanto lhe falavam. Depois, vieram também seus irmãos,
prostraram-se diante dele e disseram: Eis-nos aqui por teus servos.
Respondeu-lhes José: Não temais; acaso, estou eu em lugar de Deus? Vós, na
verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer,
como vedes agora, que se conserve muita gente em vida. Não temais, pois; eu vos
sustentarei a vós outros e a vossos filhos. Assim, os consolou e lhes falou ao
coração.
Está bem claro no texto
que a bênção na vida de José, depois de muitas maldições, não deveria ser
limitada a ele próprio. A grande bênção que recebeu (a linha de cima) teria de
implicar a bênção de sua família e muitos milhares de vidas salvas. A revelação
que José recebeu sobre os anos de prosperidade e sobre a fome no Egito mostrou
que Deus tinha um propósito central para sua vida. Deus o abençoou para que ele
pudesse abençoar outras pessoas. A linha de cima – os benefícios recebidos –
implica a linha de baixo – a concessão de benefícios aos que não os possuem.
Deus nos revelou algo muito mais precioso, uma revelação mais importante que a
recebida por José. A questão é: por que Deus tem abençoado a sua vida? A razão
bíblica é a preservação de vidas para a eternidade na gloriosa presença de
Deus. Se nos interessamos apenas em receber a bênção da salvação, sem passá-la
adiante, estamos contrariando o propósito de Deus. Desprezamos a prioridade
divina.
Dt 4.5-8
Aqui Moisés mostra
também as duas linhas, as bênçãos decorrentes de ser o povo escolhido e a
responsabilidade de abençoar as nações:
Eis que vos tenho
ensinado estatutos e juízos, como me mandou o Senhor, meu Deus, para que assim
façais no meio da terra que passais a possuir. Guardai-os, pois, e cumpri-os,
porque isto será a vossa sabedoria e o vosso entendimento perante os olhos dos
povos que, ouvindo todos estes estatutos, dirão: Certamente, este grande povo é
gente sábia e inteligente. Pois que grande nação há que tenha deuses tão
chegados a si como o Senhor, nosso Deus, todas as vezes que o invocamos? E que
grande nação há que tenha estatutos e juízos tão justos como toda esta lei que
eu hoje vos proponho?
Imagine se o Brasil
estivesse na posição de Israel prevista nesse momento histórico. Se as leis
escritas e assinadas pelo presidente fossem leis criadas na mente de Deus e
passadas diretamente aos deputados em Brasília, como o país estaria bem!
Imagine se o Brasil, como o Israel antigo, em vez de pensar em problemas e
dívidas internacionais, pudesse dobrar os joelhos e usufruir a bênção notável
de empregos para todos, de estarem os meninos de rua recebendo o devido
cuidado. Imagine a bênção de saber que os órfãos estão sendo nutridos com as
verdades de Deus. Imagine um Brasil que não precisasse cuidar de suas
fronteiras nem combater o tráfico de drogas. Pense em ter Deus tão próximo a
proteger a nação: não seria preciso gastar dinheiro com o Exército e nem com
policiais. Leis falhas e interesseiras, feitas por homens, seriam substituídas
por leis divinas e perfeitas. Beneficiado por essas leis e pela proteção divina
nas crises, em resposta às orações do povo de Deus, o Brasil seria um país
invejável. Foram essas bênçãos, segundo o texto de Deuteronômio, que Deus
ofereceu a Israel.
Qual seria o efeito
dessas bênçãos (a linha de cima) sobre os países vizinhos? O próprio texto
responde. Seria um forte efeito missionário com seus benefícios. As nações
vizinhas buscariam ao Senhor e seguiriam suas leis (a linha de baixo).
Aprenderiam a viver bem imitando o Brasil e obedecendo às leis criadas no céu.
Buscariam ao Deus único e ao seu Reino para obter as bênçãos desfrutadas pelo
Brasil.
Vejo um país que tem
grande interesse em ser um país evangélico. Existem até previsões de que em
poucos anos o Brasil será do Senhor, mesmo antes de sua vinda. Não sei se
podemos realmente esperar uma bênção tão grandiosa, mas se acontecer não será
surpresa se os países vizinhos vierem buscar a mesma bênção (a linha de baixo).
Houve uma época em que
um país foi extraordinariamente abençoado. Esse país foi fundado no século
XVII. Os fundadores fugiram da Inglaterra para estabelecer uma nação em que
Deus seria honrado e haveria liberdade de consciência. As bênçãos de Deus
caíram sobre os Estados Unidos. Houve um tempo em que as crianças podiam sair
de casa sem perigo. Não havia meninos de rua. As chaves ficavam dentro do
carro, sem que fosse preciso trancar as portas.
As casas ficavam abertas
sem muros ou sistemas de alarme. Não se pensava em violência nem se falava em
drogas. Homicídio era uma raridade. Hoje não é mais assim. Esse país mudou,
depois que abandonou a maioria dos princípios que garantem a bênção. A
preocupação com a evangelização de todos os povos diminuiu.
Quando Jimmy Carter
estava na presidência, um amigo foi convidado para falar num congresso de
missões nos Estados Unidos da América. Cerca de 4 mil pessoas esperavam atentas
a palavra do pastor Greg Livingstone (hoje diretor de uma missão no norte da África).
Concederam-lhe um minuto
para falar. Ele foi à frente e fez a seguinte pergunta: “Quantos de vocês estão
orando pela libertação dos 52 americanos sequestrados no Irã?”. Os mais velhos
lembram-se da grande preocupação causada pelo sequestro daqueles americanos.
Quase todas as mãos se levantaram no auditório, indicando a preocupação
generalizada. Em seguida, fez outra pergunta: “Quantos estão orando pela
libertação de 52 milhões de iranianos das algemas de Satanás?”. Os braços foram
abaixando até não restar mais que um ou dois em toda aquela multidão. Meu amigo
sentou-se, sem utilizar todo o seu minuto, dizendo: “Percebo que vocês são mais
americanos que cristãos!”. Ficou claro que ele falava das duas linhas.
Aqueles milhares de
pessoas preocupavam-se apenas com a linha de cima. Sabiam de quem e em que nome
podiam pedir a libertação dos sequestrados, mas não tiveram a preocupação de
pedir a libertação de 52 milhões de seres humanos algemados espiritualmente.
Quero deixar assentado,
primeiramente em meu coração, depois no do leitor, que a linha de baixo depende
de entendermos a razão pela qual Deus abençoa nossa vida. Se não recebi bênção
alguma, tudo bem. Se não ganhei nada de Deus, ele não cobrará nada de mim. No
entanto, se Deus tem nos abençoado de alguma maneira especial e se ele nos tem
dado conhecimento da verdade de sua Palavra, com o resultado de que podemos
viver e morrer felizes, temos de levar a sério a linha de baixo.
Sl 67.1, 2
Mais um texto confirma a
tese desta mensagem. O salmo 67 mostra as duas linhas de maneira notável.
Quantos se esqueceram de orar hoje? Quantos têm coragem de admitir isso?
Provavelmente, a maioria orou. E quem não pediu qualquer bênção? Sabemos que é
raríssimo orar sem pedir pelo menos uma bênção.
Animou-me bastante notar
que em Sl 67.1,2, Deus não condena a prática de pedir bênçãos. Esse salmo fala
de bênçãos, mas não exatamente de prosperidade:
Seja Deus gracioso para
conosco, e nos abençoe, e faça resplandecer sobre nós o rosto; para que se
conheça na terra o teu caminho e, em todas as nações, a tua salvação.
Meditando, perguntei
para mim mesmo o que teria acontecido se a nação israelita, receptora original
dessas palavras inspiradas, tivesse dado prioridade a esse texto. Como seria
diferente a história da humanidade se Israel tivesse dado valor à linha de
baixo e estabelecido como o mais importante alvo de sua existência abençoar a
todos os árabes! O mundo tem mais de um bilhão de muçulmanos. Israel é apenas
uma pequena ilha num oceano inimigo de muçulmanos. Se, em vez de se preocupar
com a própria segurança, Israel tivesse pedido a bênção de Deus para os
muçulmanos, a fim de que conhecessem os caminhos do Senhor, como seria
diferente a história atual! Provavelmente, milhares de pessoas estariam vivas,
e famílias inteiras, ainda unidas. As torres gêmeas não teriam caído em Nova
York, soterrando quase 3 mil pessoas.
Quase todos os dias
morrem vítimas do ódio em Israel. Parece que Israel formou sua nação para
buscar a própria segurança, em vez de abençoar os povos vizinhos. Não é meu
propósito lançar críticas contra ninguém, mas esse salmo não deixa dúvidas
quanto ao propósito de Deus. Paremos um instante para refletir. Qual é minha
preocupação maior na vida? A resposta de todos nós é a mesma. Ser abençoado por
Deus. Quero que ele abençoe minha família, os filhos, os netos, a esposa, o
trabalho, a situação financeira. É isso o que mais importa. E Deus não despreza
tais petições, porém não estaremos glorificando a Deus se dermos prioridade à
linha de cima e ignorarmos a linha de baixo.
Jesus, pouco antes de
sua exaltação, declarou aos discípulos que a bênção de os povos gentios
conhecerem os caminhos do Senhor deve ser o foco de seu ministério. Em
Jerusalém, na Judeia, em Samaria e até os confins da terra, eles seriam
testemunhas da graça de Deus que salva. Quero encerrar afirmando algo sobre
nossa nação. Os irmãos sabem que a teologia predominante no Brasil é a chamada
“teologia da prosperidade”. É quase certo que o pregador que conseguir
convencer brasileiros – evangélicos, católicos, espíritas e mesmo pessoas sem
religião – de que possui poder para liberar bênçãos como saúde, emprego,
salário maior e paz na família será “bem-sucedido”. Quem promete abençoar o
povo material e socialmente está fadado ao “sucesso”. Contudo, quero enfatizar
que é uma distorção do evangelho, pois não há interesse prioritário na linha de
baixo. As promessas da antiga aliança, que abençoaram Israel materialmente,
tinham o propósito de persuadir os povos a adorar e obedecer a Deus na
totalidade de sua existência.
Quais são as promessas
da nova aliança? Cristo voltará quando todas as nações tiverem ouvido que
Cristo é o único caminho para Deus. Ele é o único Salvador. O descaso para com
a obrigação missionária, em razão do interesse voltado para esta vida,
demonstra pouco compromisso com a vida vindoura. Não se fala muito sobre o
investimento no destino final.
A busca pelo poder do
Espírito como forma de obter alívio, conforto e bem-estar, em vez de testemunho
e proclamação, está em desacordo com o propósito central de Deus. A teologia da
prosperidade destaca o ter, e não o ser. A lei da nova aliança deve ser
interna. “Esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles
dias, diz o Senhor: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração
lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Jr 31.33). Não
é a vontade de Deus que busquemos os benefícios do Reino de Deus sem dar
prioridade ao próprio Reino. Os benefícios ilimitados de Deus virão no Milênio,
mas poucos querem esperar um futuro distante e pouco almejado.
O resultado dessa
distorção pode ser percebido no desinteresse em conhecer a Palavra de Deus. Há
também quase nenhum interesse pela exegese, pela hermenêutica, pelo discipulado
e pelo estudo da Palavra. Busca-se a experiência, e não o Senhor das
experiências. Parece uma diferença sutil, mas é importante. O Espírito Santo é
apresentado mais como fonte de poder que como pessoa divina que glorifica ao
Senhor Jesus (Jo 14.13). A ênfase exagerada sobre o indivíduo desvia nossa
atenção da comunhão e da responsabilidade mútua da igreja (1Pe 2.9, 10).
Não é certo omitir a
ênfase sobre a obrigação e destacar apenas a motivação do amor que produz a
alegria no Senhor (1Co 13.1, 4, 5).
É muito comum omitir-se
a proclamação da teologia bíblica acerca do sofrimento. Nesse caso, onde se
encaixaria a cruz de Cristo ou as condições do discipulado? “Se alguém quer vir
após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz [diariamente] e siga-me” são
palavras pouco ouvidas, mas foram pronunciadas por Jesus. Buscar os dons e
manifestações do poder de Deus em benefício próprio, e não em benefício do
Corpo de Cristo é mais um desvio do propósito bíblico revelado na Palavra.
Todas essas aberrações e distorções, até o ponto em que caracterizem a igreja
brasileira, mostram preocupação com a linha de cima, e não com a de baixo. Para
o Brasil se tornar um verdadeiro celeiro de missões, é necessário que haja uma
mudança de paradigma. Como Israel, no período do Antigo Testamento, teve a
oportunidade de influenciar o mundo ao seu redor em prol do Deus único,
cumprindo suas leis e demonstrando um amor profundo pelo Senhor, temos o
desafio de realinhar nossas prioridades. Se genuinamente nos preocuparmos com a
linha de baixo, isto é, que o evangelho seja proclamado e vivido entre todos os
povos, a bênção gloriosa cairá sobre nós. Paulo assim se refere a esse futuro:
“Para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser
comparados com a glória a ser revelada em nós. A ardente expectativa da criação
aguarda a revelação dos filhos de Deus
[…] para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8.18, 19, 21).
Russell P. Shedd
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